29 dezembro 2013

Coisas que não gosto na Bulgária, versão Dezembro 2013.

*Nota de referência: Isto são coisas que tive que pensar arduamente que não gosto, não necessariamente coisas que tornem tudo isto numa má experiência. Coisas minimas, coisas que continuam a existir também, por exemplo, em Portugal.Afinal, de tudo o que falo, a malta deve pensar que não há defeitos e problemas neste país. Assim, convém identificar e perceber os aspectos a melhorar.
- Não gosto dos passeios em Sófia. O estado dos mesmos é, regra geral, caótico. Calçadas partidas, tampas levantadas, buracos imensos e profundos em locais perigosos. Mais do que umas botas para a neve, vou precisar de um calçado todo o terreno.
- Não gosto da dificuldade em aprender a lingua. Não me interpretem mal. Eu vou saber falar o básico disto, mas ando com uma enorme dificuldade em fixar palavras. É mais um problema meu, porque o alemão continua a ser mais complicado de entender.
- Não gosto que anoiteça tão cedo, mas acho que isso se deve ao meu fuso horário.
- Não gosto de ver tantos cães vadios. Com o frio, faz a sua confusão ver os pobres a tentarem proteger-se. E é de facto um problema real da cidade.
- Não gosto da cidade não dar o devido valor à sua História. É uma História rica, digna de se estudar e mergulhar. O percurso cronológico de invasões e passagens e guerras, as figuras que lutaram para que este lugar, com estas fronteiras seja a Bulgária, o desenvolvimento para uma sociedade capitalista, libertando aos poucos o fardo do comunismo. A própria capital, com as suas camadas, conforme a época histórica, tem tudo para se orgulhar e valorizar, com mais ou menos episódios negativos. E embora percebendo o que o comunismo/socialismo deixou como marcas do passado, acho que a cidade em si devia espelhar mais essa riqueza histórica e deixá-la evidente. Não apenas guardá-la em museus.
- Não gosto da maioria das senhoras mais velhas que frequentam transportes publicos e supermercados. Elas agem como se as outras pessoas não existissem, como se o lugar onde eu me encontro, seja em pé ou sentado, lhes pertencesse sempre. Mesmo que não precisem dele. Mesmo que tenham outro sitio onde estar. Elas precisam do lugar onde eu estou e atropelam como se na verdade eu não existisse.
- Não gosto dos iogurtes. Eu sei que a malta aqui consome isto como água, mas o meu paladar simplesmente não tolera leite salgado e afins.
- Não gosto do preço do leite. Chega a ser mais caro que a Coca-Cola e ainda procuro perceber como é que num país com preços tão baixos, tem o leite como se fosse um produto de luxo, até na realidade portuguesa.
- Não gosto da temperatura que faz entre as 20:00 e as 21:00. Tão simplesmente porque só quero chegar a casa e não sentir a minha cara a congelar.
- Não gosto da água que corre nos canos. Há uma evidente falta de preservação e manutenção da qualidade da água.
- Não gosto da gestão dos semáforos junto ao Estádio Nacional. Exemplo absurdo de como controlar o trânsito, seja para peões, seja para automóveis.
- Não gosto da distância entre Sófia e a minha casa em Portugal. Vamos ser claros, a distancia entre Sófia e Portugal é quase perfeita. Mas bem que podia levar uma hora a chegar a Estói. Sei que parece parvo o que estou a dizer, mas no fundo, eu encontro a minha lógica nisto e hei-de encontrar uma solução. Num mundo que é uma aldeia global, digamos que há aqui uma distância que já não faz sentido.

28 dezembro 2013

Experimentar Sófia a pé numa tarde.

- O objectivo era chegar ao Museu de Arte Socialista, mas percorri alguns quilómetros a pé. Para sentir o ritmo da cidade sem ter o apoio de transportes. Para ver os mercadozinhos e as bancas de fruta em cada esquina. Para trocar olhares timidos com os búlgaros. Para perceber se a sensação agradável de estar nesta cidade se confirma.
- Os tons cinzentos mantêm-se e o sol a rasgar nas árvores despidas é sublime. Pode não ser a capital mais arrebatadora da Europa, mas Sófia continua a ser uma cidade, em si, romântica.
- O Museu de Arte Socialista é um resquicio do que o país quer guardar de legado comunista. Para mim, não sendo comunista, fico fascinado com estes pedaços de História, com uma visão do mundo de leste completamente distinta do que me foi ensinado nas aulas de uma das minhas professoras de eleição. O jardim cheio de estátuas pode não ser deslumbrante para quem procura locais de interesse ao nível de Espanha, França e Itália, mas ainda assim, este Museu encheu a minha curiosidade. A exposição de cartazes de propaganda comunista transportam-me para uma realidade que encaixa no que sou e no que quero descobrir. O camarada Lenine e o camarada Staline mandam cumprimentos.
- Nunca sinto que é demais referir que a Bulgária não é melhor ou pior que Portugal, mas Sófia faz-me sentir confortável, confiante e com a noção que  a partir daqui, posso ambicionar muito mais do que nas fronteiras portuguesas.
- Nunca me canso de procurar encaixar a ideia que vim parar a um local distinto, a uma realidade que no passado não poderia sequer imaginar. Ainda é surreal pensar nas conversas sobre a Bulgária há uns anos atrás, sem ter a minima noção que "um dia vou morar para lá".
- Não coloquei ainda nada sobre a minha noite de Natal. Havia a perspectiva de ser uma noite estranha, passada no quarto, ligado ao Skype, procurando não pensar muito na ideia do primeiro Natal "fora de casa". O convite para passar um Natal búlgaro tornou-se uma experiência que não podia recusar e acabou por ser, dada a circunstância da distância da familia, uma Consoada para recordar por muito tempo. É verdade que a tradição búlgara não permite comer qualquer coisa provinda de animais, na véspera. Ainda assim, houve lugar ao bacalhau, mas também a coisas que eu não vos consigo dizer o nome. Os anfitriões e a companhia foram inexcediveis para abstrair do facto de que estou, de facto, longe de casa. Quanto a esse aspecto, agradeço por demais a quem tornou o meu Natal em algo muito agradável.


19 dezembro 2013

Devaneios em Sofia, derivado do Teraflu que ando a tomar.

- Passo a explicar: pelos vistos, andar sem casaco por mais que vinte minutos num inverno destes, faz mossa no corpo. A primeira constipação quis atacar-me e os meus sábios e experientes colegas recomendaram-me o Teraflu. É uma cerveja de limão, só que sem cevada. Faz efeito e ataca a enervante senhora gripe, mas também frita o cérebro, já que não consigo ter um pensamento lógico há dois dias.
- Quero perguntar uma coisa a quem percebe de cultura búlgara ou cultura de Sófia. Vamos lá ver, a cidade é muito bonita, as pessoas vão sendo porreiras o suficiente para me sentir confortável, mas.... o que é isto de três em três dias haver um fogo de artificio de um minuto em bairros distintos? Tem que haver uma explicação lógica. Derivado do Teraflu, a melhor justificação que encontrei é ser a forma de comemorar aniversários. Mas é capaz de não ser isso.
- Tentando ser mais coerente e porque já não escrevo há alguns dias, deixem-me voltar a invocar a ideia de que estou positivamente surpreendido pelo ambiente que consigo viver em Sófia. Adoro o espaço onde trabalho, a hora de almoço é verdadeiramente repousante e para já, o ritmo de trabalho é cativante. Sabe bem perceber que consigo adaptar-me a muita coisa e saber que estou a crescer uns palmos. Mais uma vez, acho que o Teraflu anda a fazer-me mal. Mas a verdade é que sim, gosto disto, gosto desta experiência.
- Não sinto saudades de Portugal. Não sinto saudades de Faro. não rejubilo em ver noticias portuguesas. Nem sequer invejo as temperaturas positivas lusitanas. Mas não sei bem como lidar com a ideia de emigrante que deixou uma mulher incansável e poderosa, uma enteada adorável e um cão que precisa dos meus mimos e eu dos dele. Vou acabar com o meu copo de Teraflu para anestesiar disto.

15 dezembro 2013

Num Domingo pacato em Sófia.

- Hoje é o último dia em que tenho 30 anos. Esta idade foi esperada com muita expectativa, alguma ansiedade, ligeiras perspectivas. Acabou por ser um ano com demasiadas decisões a serem tomadas. Muitas mudanças, coisas que se ganharam, coisas que se perderam. Era suposto ser o ano em que eu me ia confrontar pessoalmente com uma maturidade que tinha que ser adquirida. Não me tornei necessariamente mais maduro num só ano, mas certamente que me transformei em mais homem. Mais confiante. Mais convicto do lugar que ocupo e daquilo que represento para as pessoas que gostam de mim, ou precisam de mim. Ironicamente, foi o ano em que me mentalizei da decepção com certas coisas. O ano em que percebi que dificilmente existe um lugar ao sol em Portugal. O ano em que confirmei que não me identifico com a ideia de ser português, apenas e só um cidadão do mundo. Mas foi também no decorrer dos meus 30 anos que precisei de lutar pelas coisas, sair da zona de conforto e enfrentar os desafios: A operação da minha mulher, embora nem sempre presente como quis, mas fez-me sentir que é mesmo na saúde e na doença, para o bem ou para o mal. Continua a ser memorável dentro de mim, o momento em que a ouvia respirar num quarto de hospital escuro, só com o barulho da máquina; O estágio para um caminho profissional diferente em Lisboa. Perceber que a distância faz diferença e que há quem confie de facto nas minhas capacidades; E finalmente, a ida para Sófia. A decisão de ser emigrante. A transformação numa pessoa que sabe que é capaz de lidar com as contrariedades que vão surgindo. Quase a chegar aos 31, finalmente encontro-me num lugar capaz de me devolver a confiança que preciso.
- Esta tarde quis voltar a perder-me nas ruas de Sófia. Seria bom, não fosse estar uma humidade absurdamente gelada para se ter capacidade de descobrir e passear. Fiquei-me pelo Palácio Nacional da Cultura e o último dia da Feira do Livro. Pormenor interessante de que não foi um evento muito apelativo. Talvez porque não consegui ler nada de jeito...
- O jantar de Natal de parte da minha equipa na IBM foi realizado na noite de sexta feira. O que se pensava ser um jantar pacato (ingenuidade minha de não aprender com episódios anteriores) tornou-se numa espécie de festa de casamento. A julgar pela comida que foi sendo servida, pela música constante e pelo ambiente imensamente (not) natalicio que se vivia entre as equipas portuguesa e espanhola (colegas búlgaros incluidos). Quanto à comida, a salada é de encher o bandulho muito cedo. A rakia é potente. E as carroças cheias de carne já só servem para enfeitar, ou para cear. Quanto à música, é de imaginar dois andares de restaurante com colunas em alto som, a soltar os instrumentos e a voz de ciganos que estavam a actuar ao vivo. Sim, em dois andares. Misturado com as constantes danças em fila e um ambiente a fazer lembrar os filmes do Kusturica, muito foi acontecendo naquele restaurante. A noite foi longa e terminou no centro de Sófia, num bar de karaoke, acompanhado por umas Zagorka e uma conversa imensa com duas pessoas extraordinárias.
- Amanhã é dia de trabalhar e de crescer mais um palmo.

07 dezembro 2013

Estado de espirito ao fim de um mês em Sófia.

Há exactamente 30 dias, por volta desta hora, aterrei em no aeroporto de Sófia, a caminho do desconhecido. A noite escura da capital búlgara assustou e por momentos, pensei estar a dar um passo maior do que a perna. Alguma coisa acalentou a força que era preciso para encontrar um sitio onde repousar. Algo fez subsistir a ideia de que este é o rumo a um futuro melhor.
Trinta dias depois, a caminho da plena adaptação, continuo a achar que a estrada para sonhar ainda mais alto, está nesta cidade. A cidade tem o movimento certo. As pessoas respeitam o meu lugar. O trabalho tem a responsabilidade adequada e a motivação concreta que uma parte do meu ser precisava. E ainda assim, as saudades existem. São essas saudades e a convicção que deixei algo demasiado importante noutro lugar, que me fazem acreditar e lutar para que este desafio búlgaro possa ser enorme. É a concretização de um desafio que parece maior do que qualquer ambição, que faz com que todos os dias vá para o edificio 5 no Business Park, como se fosse descobrir a verdade das coisas.
Trinta dias atrás, desmontei praticamente todas as peças da minha vida e procurei guardá-las todas. Dia após dia, juntei cada pedaço e procurei reconstruir um ser novo, uma realidade distinta, no lugar ideal para ser melhor. É possivel ser ainda melhor aqui do que no amorfo Portugal.
Ainda não sei o búlgaro, mas este é o primeiro dia de um novo processo e de um novo desafio. A quem deixei em Portugal, prometo regressar melhor, mais confiante, mais capaz de me fazer feliz, de fazer as pessoas que amo felizes. Mesmo que esse sitio não seja Portugal. Mesmo que seja a própria Bulgária. Porque este país está a crescer. Com defeitos, com dilemas, com uma cultura própria. Mas eu estou aqui e é minha obrigação lutar para que este lugar que me recebeu, possa ser melhor, tal como eu o quero ser.
Esta mensagem é sobretudo uma mensagem a todas as pessoas que têm feito parte da minha adaptação a esta realidade. Aos búlgaros que se esforçam por me perceber e compreender. Aos portugueses em Sófia que, tal como eu, lutam aqui por algo melhor. Às dezenas de pessoas de diversas nacionalidades, que partilham um desafio semelhante. A cada pessoa que, directa ou indirectamente tem tido influência para que a experiência búlgara esteja ainda de pé. A todos eles, o meu obrigado.
Um mês depois, o futuro parece brilhante e imenso, tal como a Vitosha Mountain.


04 dezembro 2013

O que me vai na cabeça quando faz 4 semanas que estou em Sófia.

- A esta hora, há quatro semanas, numa quinta-feira, estava a entrar Inside Sofia. Um autocarro deixava-me no meio da cidade escura, num local que eu simplesmente não conhecia e sem qualquer referência perceptivel para onde seguir. Hoje, esse lugar é um ponto de passagem diária, uma referência no meu trajecto. A perspectiva que se toma dos lugares muda constantemente.
- Ironicamente, hoje foi-me apresentado um novo desafio, como se novamente, tivesse que lidar com o desconhecido.
- O senhor que conduzia neste fim de tarde o eléctrico, parecia possuido por um daqueles demónios, dada a velocidade e descontrolo (mesmo em carris), com que ele o manobrava. Cheguei vivo, é o que interessa.
- Quando uma pessoa pensa que ficou longe de coisas da cultura portuguesa e lusófona, eis que chego à formação e um colega búlgaro canta continuamente: "Nossa, nossa, assim você me...." Pronto, vocês sabem o resto.
- Pelos vistos, a cultura brasileira até está inculcada na sociedade bulgara. Músicas assim e novelas com o Tony Ramos.
- Ando a comer à fartazana aqui. Não sei se é do clima, não sei se é de trabalhar "muito", não sei se é de algum stress traumático. Mas ando a comer. Bem e saudável qb. Não, não vou engordar.

- Fiz amizade com um gato, que me vem cumprimentar todas as manhãs, antes de entrar no eléctrico. Dada a circunstância, acho que é viável dar-lhe um nome. Aceito sugestões dado que sou péssimo em baptizar seres e coisas.


03 dezembro 2013

O que penso sobre a comparação entre búlgaros e portugueses.

Na verdade, não comparo as pessoas de ambos os países. Não é que se possa fazer comparação, dadas as circunstâncias, os contextos históricos e sociais distintos e acima de tudo, a minha perspectiva de cidadão português e residente temporário numa cidade como Sófia. No entanto, permitam-me estabelecer um ponto comparativo, talvez sintomático de algumas coisas, numa espécie de perspectiva pessoal.
Sou uma pessoa diferente. Todos somos, à nossa maneira. Parece uma ideia elementar. Mas sou diferente. Sei que sou. Tenho uma estrutura física pouco habitual, desconhecida dos demais. Tenho pormenores na minha aparência que se distinguem dos padrões de beleza típicos, seja lá o que isso for. Sou magro, algo trôpego na minha postura e tenho orelhas salientes. É um facto, não posso mudar isso, a não ser que peça um empréstimo para operações plásticas e transformar-me. Foi assim que nasci, não escolhi isso. Muitas das pessoas que me conhecem bem sabem disto e sabem qual a minha posição quanto a isto. É assim, não o escolhi, não posso mudar, assim como uma pessoa com lábios carnudos não pode propriamente mudar.
O que tem isto a ver com a ideia de comparar búlgaros com portugueses? Alguma coisa.
Tive há alguns anos uma conversa com uma amiga búlgara (por ironia do destino), em Portugal, durante uma viagem de comboio. Falávamos sobre as diferenças entre os dois paises e a noção que essa amiga tinha entre as duas culturas. Jamais podia imaginar o que o futuro reservava, mas tenho pensado imenso nessa conversa e na percepção que hoje tenho das coisas. Nessa conversa, disse-lhe que em Portugal sempre me senti julgado, olhado, gozado, várias vezes humilhado até. Pura e simplesmente por ter uma aparência diferente. E disse-lhe que quando viajei para países estrangeiros, não tinha a mesma sensação. Passei uma semana na Holanda em convivio com centenas de jovens europeus e aconteceu o oposto. As pessoas desconhecidas olhavam-me com outros olhos. Passei uma semana na Escandinávia e não me recordo de por uma única vez, sentir um olhar de troça, um riso pouco disfarçado, uma incredulidade por verem um ser humano como eu. Na Suécia, na Noruega e na Dinamarca, eu não era nórdico, mas pelos vistos, não era assim tão diferente deles.
Confesso que nas horas que antecederam a minha vinda para a Bulgária, tinha receio da forma como as pessoas me pudessem ver, pudessem lidar com a minha suposta aparência tão peculiar. Tinha receio de estar num país desconhecido, enfrentar uma realidade que não domino e ainda sentir olhares, sentir uma humilhação que talvez nem sequer pudesse entender. E essa sensação durou até ao segundo dia em Sófia.
Sempre senti que fui respeitado pelos meus amigos em Portugal. Sim, a maioria deles viu a diferença, questionou-se sobre ela, fez a sua avaliação. Mas os amigos que tenho, que dou mesmo valor, que me sinto confortável junto deles, souberam ver para além disso. O mesmo já não posso dizer do comum desconhecido português. O mesmo já não posso dizer de muitas das pessoas anónimas (ou não) que se cruzam comigo em Lisboa, em Faro, em Leiria e fazem questão de demonstrar que me julgam, que me humilham.
É aqui que vem a comparação entre o anónimo cidadão búlgaro e o anónimo cidadão português, do ponto de vista de uma pessoa que não quer ser vitima, mas também não gosta, evidentemente, de ser alvo de atenções inúteis.
Hoje, enquanto fazia a minha viagem de uma hora em três transportes públicos de Sofia, pensei uma questão que só faz sentido a inglês: "How come?" e surgiu depois de uma nova colega búlgara me perguntar o que acho da Bulgária até agora.
Como é que eu me sinto mais confortável e mais tranquilo quando ando na rua em Sófia, do que em qualquer cidade portuguesa?
Como é que cidadãos anónimos (crianças, adolescentes, adultos, idosos) de um país que não é o meu, consegue olhar-me sem julgamento, ou pelo menos sem exteriorizar ou demonstrar esse julgamento? Como é que eu no meu próprio país sou humilhado por mais do que uma vez, por pessoas que viveram a mesma cultura do que eu?
Como é que um país como Portugal, que não é necessariamente o mais pródigo mundialmente em padrões de beleza, julga alguém só porque tem caracteristicas diferentes? Como é que um país como a Bulgária, onde praticamente todas as pessoas são bonitas e joviais e saudáveis, passam por mim e não me olham com julgamento?
Como e em que momento é que Portugal se tornou numa sociedade que julga as pessoas sem as conhecer, que olha os demais com uma altivez tamanha, que quem ouvir de fora, pensa que somos uma raça perfeita? Como é que numa cidade de dois milhões de pessoas como Sófia (com pessoas de imensas culturas, continentes e em enclaves históricos) ainda não me senti por uma única vez troçado ou humilhado?
Em que momento falha a educação e a transmissão de valores de geração para geração, num país que nem se pode queixar de choques culturais assim tão abismais, para depois julgar e ser preconceituoso e ser suficientemente arrogante para se achar melhor do que os outros? Em que momento a sociedade búlgara conseguiu demonstrar com naturalidade o respeito que tem pelas pessoas, mesmo que elas sejam diferentes? Como é que Portugal se auto-intitula um país hospitaleiro, quando nem os seus próprios cidadãos sabe tratar com igualdade?
Tenha sido Portugal, tenha sido a sociedade em si, tenha sido a confrontação com o mundo real e a minha incapacidade de lidar com isso, tornou-me uma pessoa com falta de confiança em mim mesmo. Com medo de enfrentar as pessoas desconhecidas, com receio de ser julgado só pela aparência. Hoje, nestes dias que ainda me adapto a um país que me recebeu, sei disso. Portugal tornou-me uma pessoa menos confiante. Excepção feita aos amigos verdadeiros que tenho e à familia verdadeira que me fez acreditar que consigo, não tenho problema em assumir que agora sei que Portugal me fez esconder na minha concha. E isso ficou como uma cicatriz.
Agora que estou numa outra realidade, sei ver o quanto há algo mais do que isso. Cada vez mais consigo erguer a cabeça, olhar de frente e não ter medo da sensação que me possam julgar. Parece um jogo. Entro num autocarro cheio de gente, com adolescentes à minha frente e "testo-os", testo a mim mesmo. Em Portugal iria levar porrada emocional de um autocarro inteiro. Aqui, ao fim de um mês, ainda é surpreendente ver que não existe uma humilhação, não existe um riso de troça, nem sequer existe um olhar de julgamento. E se por algum momento existe, não é demonstrado. Sofia, a Bulgária e os búlgaros têm-me demonstrado (assim como já desconfiava nas minhas idas ao estrangeiro), que é natural não julgar. Que a diferença existe, mas não está lá, não se vê, não é para ser comentada ou alvo de gozo. Ao que se deve tal comportamento, não sei. Talvez seja natural no resto da Europa e só em Portugal é que é necessário esse tipo de comportamento. Talvez os búlgaros saibam melhor e os tenham ensinado a respeitar o próximo. Talvez os búlgaros tenham noção de beleza e saibam que por mais que a tenham, é possivel que amanhã tudo possa mudar. Talvez o português comum troce de outros porque sabe que lhe falta demasiadas virtudes e prefere ignorar quem é e apontar o dedo a outros. Uma espécie de bullying, por traumas interiores.
O que penso eu dos búlgaros? Da minha humilde forma de o poder reconhecer, obrigado por me fazerem erguer na minha pessoa. Obrigado por me fazerem acreditar que o mundo ainda pode ser justo, pode ser vivido sem recurso a complexos. Acredito que os búlgaros tenham os seus defeitos e os seus pecados como sociedade. Terei tempo de percepcionar isso e saber entender e respeitar e lidar com esses defeitos. Mas ao fim de um mês, só posso ter a dizer que me sinto muito bem recebido pelo comum cidadão búlgaro. São simpáticos, são hospitaleiros quanto baste, para uma cidade que não é um centro turistico europeu, são orgulhosos de quem são, são poliglotas, são inteligentes e acreditam profundamente que o seu país pode vir a ser um sitio melhor, com o seu contributo pessoal. E sim, têm uma beleza impar e muito caracteristica.
Os portugueses? Sim, existe uma boa percentagem de excepção. Mas como sociedade e a nivel comportamental e de valores, temos imenso a aprender com os búlgaros. E se denotam alguma revolta nas palavras que digo, não julguem. É apenas amargura de saber que me tratam com mais respeito num país estrangeiro, do que no meu próprio país. É a cruel percepção de que afinal, venho de um país abundantemente arrogante para desembarcar num país, que ao contrário de muitas ideias pré-concebidas, tem uma sociedade com os valores certos.
E em conclusão e como forma de reconhecer a importância da conversa no comboio com a Ivona, amiga búlgara que reside em Portugal, resta-me dizer que para demonstrar a minha gratidão com o comum cidadão búlgaro (e com os novos colegas), irei aproveitar esta possibilidade de restaurar a confiança em mim mesmo, erguer a cabeça, para o dia em que voltar a Portugal saber que nada, mas mesmo nada me atinge.

How come, é o meu desabafo do dia.